quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Praxes e outras fitas

Hoje de manhã, enquanto me dirigia para o emprego, observava o tempo cinzento e a chuva miudinha que caía e pensava que este seria um óptimo dia para ficar em casa à lareira, a ler um bom livro e a ouvir música, enquanto tomava um chá com torradas. Qual não é o meu espanto quando vejo, no relvado da Faculdade de Ciências, ali para os lados do Campo Alegre, um grupo de caloiros, com orelhas de burro, de papel, na cabeça, circundados pelos inevitáveis "doutores", em pose digna e altiva. Isto às 8 e meia da manhã! Aqueles BURROS (os com orelhas e os sem elas) levantaram-se de madrugada, para estarem, voluntariamente, ao frio e à chuva a prestarem provas públicas da sua burrice colectiva! E isto fez-me lembrar aquele fim de tarde em que eu passava na Praça dos Leões e lá estava um grupo de caloiros, vestidos de crianças, com velas nas mãos, num profundo silêncio, enquanto os "doutores" os circundavam. Dirigi-me ao que parecia ser o mais "doutor" e perguntei-lhe se tal vigília era pela paz no mundo, mas ele respondeu-me logo com um ar muito surpreendido: "não...é a praxe". Notei que ficou a pensar se haveria algum cinismo no meu comentário...mas creio que não conseguiu lá chegar. No jardim ao lado, alguns "doutores" passeavam caloiros como se fossem cães, fazendo-os alçar a perna contra as árvores! Ah! É a irreverência estudantil! É o processo de integração dos caloiros no mundo académico! É o querer viver com entusiasmo e alegria os anos que restam antes da integração no mundo sério do trabalho! É...é uma parvalhice, na minha modesta opinião. Sou suspeito: nunca usei traje académico, nunca participei num cortejo da Queima das Fitas. Não gostei de ser universitário? Gostei. Não tive algum orgulho quando dizia que andava na Universidade, quando me viam com aqueles livros repletos de complicadas equações matemáticas? Claro que sim. Mas também queria mostrar que já era um "homenzinho", que tinha acabado o liceu e começava uma formação séria, para mais tarde exercer uma profissão que exigia estudo e maturidade. E o que muitas praxes demonstram é o oposto: que à Universidade ainda chegam muitos catraios e que estes conseguem impor a sua vontade aqueles que dela quereriam dar outra imagem. A praxe contribui para integrar os caloiros? A maior parte deles, concerteza. Qualquer actividade partilhada, por mais estúpida que seja, o faz. Exceptuam-se aqueles casos em que contribui para o total afastamento dos caloiros (na semana passada um caso chegou aos tribunais). Contribui para que a sociedade veja os universitários como jovens irreverentes, críticos, social e politicamente activos? Pois...é mesmo a imagem que dão quando vão nos autocarros todos pintados e de chupeta ao peito. Sou a favor da alegria, da brincadeira, da irreverência, das praxes destinadas a dispor bem, a acolher, a dignificar. Mas não podemos comprometer a imagem da Universidade: em muitos países os universitários estão na linha da frente na luta contra as ditaduras, como o estiveram em Portugal, há uns anos, quando se pagava caro ser do contra e ter ideias próprias. Espera-se dos universitários ideias, debate, contestação, apoio, exemplo, irreverência séria, compromissos descomprometidos com lobbies instalados. Esta é a imagem do universitário que eu gosto de ter, e não o catraio com barba e orelhas de burro, nem o "doutor" que de tal só tem a pose!

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Seria um dia especial



Seria um dia muito especial: o dia em que, ao ligarmos a televisão para ouvir as notícias, a abertura fosse..."hoje ninguém morreu numa qualquer guerra"! Mas nunca é assim. Já não duvidamos que houve um atentado no Iraque: só não sabemos quantos morreram. Não temos dúvida que o conflito entre israelitas e palestinianos continua: só não sabemos se foi dia dos palestinianos atacarem ou dos israelitas contra-atacarem. Não temos dúvida que decorre algures um genocídio: no Chade, no Ruanda, na Bósnia...em qualquer lado há-de ser. Hoje o alvo foi um prémio Nobel da paz. Ontem, foram mulheres, crianças...Não tenhamos ilusões, sempre assim foi e sempre assim será. Nunca faltarão razões: étnicas, políticas, económicas, religiosas...Nunca faltará quem lucra com a guerra, desde políticos a fabricantes de armas, de líderes religiosos a tiranos. Nunca faltarão os "universais soldados", para darem o corpo às balas, seja por patriotismo seja por cobiça, por ideais ou por ódio, por coragem ou por medo. E nunca faltarão as vítimas inocentes: os mortos, os feridos, as famílias destroçadas, os que sobrevivem e ficam sós. Sinceramente, não acredito que consigamos pôr um fim às guerras. Os mais espertos e mais ricos, talvez as consigam manter longe, travá-las fora de portas. Outros tentarão levantar dúvidas sobre a dimensão das desgraças ocorridas(o Holocausto, por exemplo). Mas uma coisa será sempre certa: a todo o momento, num sítio qualquer, alguém, numa guerra qualquer, estará sempre a tirar a vida a um semelhante, que de diferente só terá a cor da pele, ou o credo, ou apenas o facto de ter nascido a 200 metros, do outro lado da fronteira...