sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Cegos e Empresários

Há uns dias, quando seguia para o emprego, parei num semáforo que estava vermelho. Reparei num cego que caminhava rapidamente pelo passeio, bengala apontada à frente, procurando detectar a tempo os inúmeros obstáculos que a cidade levanta. Eu, se tivesse de caminhar pela cidade de olhos fechados, deveria demorar horas para percorrer a distância que aquele cego iria fazer em cinco minutos. Conheço até muito jovem com boa visão que, mesmo com pressa, se move mais lentamente que aquele cego. E isto lembrou-me uma história. Há cerca de dez anos, era director financeiro de uma fábrica que produzia electrodoméstcos. Entre os nossos 250 empregados, trabalhava um cego. Quando a fábrica mudou de accionistas, chegou um novo presidente do conselho de administração, gestor moderno, habituado a fusões, cisões, downsizing´s, restruturações e essas coisas tais. Logo após termos concretizado uma fusão, começaram os despedimentos. O posto de trabalho do cego nem estaria em risco, mas a sua substituição tornou-se, para o administrador, quase um objectivo em si. A produtividade teria forçosamente de aumentar. E o cego lá foi despedido, embora obviamente indemnizado. Não sei se voltou a encontrar trabalho, o facto de já não ser novo não deve ter ajudado. E creio que a produtividade até caiu: os colegas acharam injusto e a motivação diminuiu. Talvez até por o gestor ser um católico praticante, ministro da comunhão inclusivé! Regresso ao presente. Preocupa-me profundamente a actual taxa de desemprego no nosso país. Deve ser muito triste querer trabalhar e não arranjar trabalho. Querer alimentar a família e não poder. E então penso em alguns dos nossos "grandes" empresários e gestores. Naqueles que acham que a forma mais eficaz de aumentar a remuneração dos accionistas e o valor das acções da empresa é a da redução do número de trabalhadores e a contenção salarial (excepto no que diz respeito aos seus póprios vencimentos, claro, mas estas ideias geniais têm de ser bem pagas...). Ou ainda aqueles empresários que desviam as suas fortunas da indústria, para as aplicarem na especulação imobiliária e financeira, pois, com a habitual ajuda dos nossos políticos e governantes, conseguem retornos do capital muito superiores e mais rapidamente. É evidente que o dinheiro é deles e podem fazer com ele o que entenderem. Mas pelo menos não lhes dêm tanto destaque. Vejo na televisão tanto especulador financeiro e imobiliário que não cria emprego, tantos consultores e dirigentes de clubes de futebol e tão pouco destaque para Empresários como, por exemplo, a família Nabeiro, dos cafés Delta, que empregam gente no interior esquecido do país e se preocupam com a responsabilidade social nos negócios. Termino com uma proposta aos nossos legisladores, que tanto gostam de alterar constantemente tudo que é código. Podiam propor uma alteração à Bíblia, ao capítulo 25 do evangelho de Mateus: onde se lê que no Juízo Final nos será perguntado se "...deste-me de comer, quando tive fome?..., vestiste-me, quando tive frio?", acrescentar que, aos empresários, será também perguntado "empregaste-me, quando não tinha trabalho ?".

2 comentários:

Anónimo disse...

Adoro estas histórias... :)

Intervalo de estudo bem conseguido...

Faz rir, dá que pensar...

Lembraste-te mesmo disto só ao ver o senhor com a bengala?!

Fascinada :|

Anónimo disse...

Lembrei-me do "nosso" cego, que também era despachado. Daí ao resto, é um saltinho...